17.7.07

Untitled Stories de Margarida Paiva

"Uma voz feminina irrompe, os corpos quase sempre de mulher, caídos, deitados, ou fugidios, ou desfocados em busca de si próprios. Comportamentos estranhos, de limite, em histórias igualmente estranhas que se entrecosem na oralidade e nos ruídos, nos sons. O espectador é confundido. Histórias de mulheres perdidas, intensamente à deriva. Numa voz sussurrante afirma-se “I’m really a happy person”. Que pessoa? Que possibilidade de vivências numa existência agonizante? Noites que aparecem em branco, dias que parecem não terminar.

Algo se esconde, entre salas, corredores, casas aparentemente vazias. O espectador como voyeur e assediado nesse labirinto; alguém dança para nós, alguém parece querer afirmar isto existiu, assim... ainda que as memórias sejam vagas e díspares. As escadas, as portas que abrem ou fecham e as janelas entreabertas permitem-nos um movimento, uma fuga para além da densidade sonora; a acalmia que o azul de um céu nos pode trazer. Rememoram-se experiências, falências, condições em ruína - a infância, a solidão, o abandono, a melancolia, o desastre. Um corpo que uma e outra vez tenta o desaparecimento, uma aniquilação que não é efectiva, mas muito mais uma evasão e oportunidade de escapar à própria mente que congestiona, que limita a acção, o corpo. Ser ao menos duas pessoas, dois pensamentos cruzados num mesmo ser, conter-se e falar sozinho e deambular pelas ruas. O outro está longe, não alcança o meu toque. As músicas, os cheiros, estão cá dentro; há uma luz que não deixa ver.

Criam-se ficções. O espectador é confundido. Não se conhece a veracidade do que se ouve. O que observamos tenta trair a audição e mais tarde, talvez mais tarde, se perceba o porquê de um som de comboio, de telefone, de passos de alguém que sobe ou desce escadas, juntamente com imagens desconexas."

Susana Chiocca

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